Por Martin Wolf, editor do jornal britânico Financial Times
Se quisermos entender onde a economia mundial está hoje e onde poderá estar amanhã, temos que saber como chegamos aqui. Com "aqui", quero dizer o mundo atual de taxas de juros reais e nominais ultrabaixas, política populista e hostilidade à economia de mercado mundial.
O incrível é que, antes de 2009, o Banco da Inglaterra (o BC do Reino Unido) nunca emprestara para bancos a uma taxa de juros de curto prazo inferior a 2%. Essa fora suficientemente baixa para enfrentar as guerras napoleônicas, duas guerras mundiais e a Crise de 1929. Mas há dez anos sua taxa de juros é próxima de zero. O banco esteve em boa companhia. O Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA) conseguiu elevar sua taxa básica para 2,5%, mas não sem dificuldade. A taxa de juros do Banco Central Europeu (BCE) ainda está próxima de zero, tal como a do Banco do Japão (BoJ). Os juros deste último BC estão próximos de zero desde 1995. Mas o BoJ ainda é incapaz de fazer com que a inflação chegue muito acima de zero. A fragilidade da inflação não é problema só do Japão. Ela continua assombrosamente baixa em outros países também.
Na verdade, não deveríamos nos surpreender tanto com esse mundo de inflação persistentemente baixa e de políticas monetárias ultra-agressivas, como compras, pura e simples, de ativos por BCs e empréstimos de longo prazo em condições favoráveis concedidos a bancos. Ray Dalio, da Bridgewater, expôs a lógica disso em seu importante livro recente. O ponto central é que os governos de países cujas dívidas são denominadas em suas próprias moedas podem administrar as consequências de uma crise causada pelo crédito excessivo. Eles conseguem, sobretudo, alongar o ajuste por vários anos, evitando assim uma enorme depressão causada por uma espiral descendente de falências em massa e colapso da demanda.
Dalio chama isso de "desalavancagem bonita". Ela é assegurada por uma mescla de quatro elementos: austeridade; reestruturação da dívida e calote puro e simples; "impressão" de dinheiro pelos bancos centrais, especialmente a fim de sustentar os preços dos ativos; e outras transferências de renda e de riqueza.Um elemento importante nessa desalavancagem é manter as taxas de juros de longo prazo abaixo do crescimento das rendas nominais. Isso foi, efetivamente, feito, mesmo no caso da Itália.
Onde isso nos deixou atualmente? Não onde gostaríamos de estar, é a resposta, sob três aspectos. Primeiro, embora a dívida financeira e das famílias tenha caído, em relação às rendas das economias maduras, isso não aconteceu com as dívidas dos governos ou das corporações não financeiras. Segundo, a crise transatlântica desencadeou explosões de endividamento compensatórias em outros países, notadamente na China. Terceiro, as economias atingidas pela crise ainda estão muito abaixo dos níveis de produção tendenciais do pré-crise, enquanto o crescimento da produtividade também está baixo, de modo geral. Finalmente, a política populista da esquerda e da direita continua em plena força. Tudo isso se coaduna com as experiências passadas com grandes crises de endividamento, que sempre lançaram duradouras sombras sobre o futuro.
Diante disso, qual deverá ser a aparência do período a seguir? Será que a economia mundial fugirá para algo menos instável? Ou será que estamos nos arriscando a desestabilizações decorrentes de novas crises da dívida e da instabilidade política? E quais, especialmente, são as melhores opções de política, em resposta a isso?